Drogas e Internação Compulsória

23/05/2013 02:47

 

Por Fernando Fernandes

Ações públicas de combate ao uso e abuso de substâncias psicoativas invariavelmente geram amplo debate. O mais recente capítulo dessa discussão é a  internação compulsória ou involuntária de dependentes químicos.  Muitos formadores de opinião tem se posicionado a respeito, muitas vezes de maneira conceitual ou teórica, com poucos  dados técnicos e científicos para balizar sua opinião. Esse é o tema de hoje do Canal Higea. Dada a polêmica desnecessária que se formou em torno desse assunto, serei cuidadoso em citar e fornecer as fontes de todas as informações desse texto.

INTERNAÇÃO VOLUNTÁRIA, INVOLUNTÁRIA E COMPULSÓRIA

Antes de tudo, vamos entender claramente quais são os possíveis tipos de internação previstos na Lei Federal de Psiquiatria (Nº 10.216, de 2001).

-Internação voluntária ocorre quando o paciente procura espontaneamente o serviço de saúde e decide acatar a indicação médica de internação.

-Internação involuntária pode ocorrer caso o paciente recuse a internação. Os familiares solicitam por escrito a internação, que é indicada pelo médico psiquiatra. Nesse caso o  Ministério Público é informado em no máximo 72 horas.

-Internação compulsória pode ocorrer sem a necessidade de um familiar ou responsável. O médico solicita determinação legal ao juiz competente, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e física. Na maioria das internações compulsórias é a própria família que,  de posse do relatório médico, solicita a determinação judicial.

Usuária de Crack : riscos enormes para a mãe e para o feto

As internações involuntárias e compulsórias já são previstas em lei e são absolutamente úteis e necessárias. Em geral ocorrem para garantir o cumprimento do tratamento de pacientes em risco, que estão mentalmente incapazes, assim como para preservar a integridade física do doente e de seus familiares. As condições mais comuns são surtos psicóticos (delírios ou alucinações), surtos maníacos, intoxicação por drogas, tentativas de suicídio, agressividade incontrolável, entre outras.

INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA É EFICAZ?

A resposta é SIM. Quando avaliamos a eficácia de um tratamento não há margem para opiniões pessoais ou ideológicas. Temos que nos pautar em evidências científicas e dentro da ética visar um único objetivo: a recuperação do doente. Estudo conduzido no Rio de Janeiro acompanhou 20 pacientes  usuários de drogas submetidos à internação involuntária. Foram seguidos em média por 18 meses após a alta. Dos 20 pacientes, 13 (65%) obtiveram reintegração social excelente e 12 mantiveram-se em abstinência total.  Em se tratando de abuso e dependência de drogas esse resultado é ótimo.

O estudo também demonstrou que a internação isoladamente não resolve. As chances de sucesso foram maiores naqueles que mantiveram alguma forma de tratamento após a internação e  naqueles que tiveram assiduidade nas sessões de auto-ajuda. Outro dado fundamental foi levantado: os mais jovens tiveram melhores resultados após a internação. Daí a necessidade de intervir precocemente. Para ler o resumo do artigo original (em inglês), clique aqui.

Em psiquiatria,  sempre que possível, é indicado o tratamento ambulatorial. Ele  mantém o paciente mais próximo de sua rotina, junto aos seus parentes, amigos  e é menos onerosa. No entanto a internação hospitalar também é um recurso importante e, quando bem indicada, previne extensos prejuízos e até mesmo salva vidas.

A AÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO

Visto que as internações involuntárias já são parte importante da prática psiquiátrica, qual é a novidade? A novidade é a parceria formada entre a Secretaria de Saúde e o poder judiciário,  que manterá um juiz em esquema de plantão dentro do estabelecimento de saúde. Isso visa agilizar os processos da internação. Promotores e membros da defensoria pública poderão acompanhar os casos  (Fonte: www.saopaulo.sp.gov.br).

Após ser encaminhado e comparecer voluntariamente por um agente de saúde o paciente é atendido por um médico psiquiatra que indica o tratamento adequado. Esse tratamento pode ser em regime ambulatorial, internação hospitalar ou em esquema de “hospital-dia” (comparece diariamente ao hospital e dorme em casa). Caso a pessoa corra risco e o médico ateste que ela não tem domínio sobre sua condição física e psicológica, o juiz poderá determinar a internação compulsória imediatamente. Nada mudou na conduta médico-jurídica, a não ser que será mais ágil a resolução desses casos.

Após a divulgação da iniciativa houve uma enorme procura pelo serviço. Não da parte de médicos ou outros profissionais de saúde mental, mas de familiares de usuários. A maioria de baixa renda, sem recursos financeiros para buscar orientação jurídica e requerer determinações judiciais por conta própria. São esses familiares e seus filhos, filhas, irmãos e irmãs, doentes e sem condições de reação, os maiores beneficiados com a maior agilidade na resolução desses casos. E com eles, toda a sociedade.

Diante disso cabe uma questão: estamos de fato vivendo uma epidemia? E, se de fato estamos, haverá recursos para tratar todos que precisam? Essa duas questões serão assunto do nosso próximo post.

SUGESTÃO DE LEITURA

Excelente texto sobre a problemática do crack. É um texto científico de revisão sobre o tema, escrito para a Revista da Associação Médica do Rio Grande do Sul, um estado muito acometido pelo uso da droga. Clique aqui e boa leitura !

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Fernando Fernandes é médico psiquiatra e pesquisador                                            https://twitter.com/psiq_fernandes                                                               https://www.facebook.com/fernando.fernandes.509

REFERÊNCIAS

Crack – da pedra ao tratamento. Gilda Pulcherio, Anderson Ravy Stolf, Márcia Pettenon, Daniel Pulcherio Fensterseifer, Felix Kessler. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 54 (3): 337-343, jul.-set. 2010

Predictors of recovery following involuntary hospitalization of violent substance abuse patients.  André C, Jaber-Filho JA, Carvalho M, Jullien C, Hoffman A.   Am J Addict. 2003 Jan-Feb;12(1):84-9.

Portal do Governo do Estado de São Paulo (Link)

Lei Federal de Psiquiatria (Nº 10.216, de 2001).

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